Turismo em Portugal: Oportunidades e Desafios Pós pandemia

Espera-se que o pós-pandemia traga de volta os turistas a Portugal. Mas é uma boa oportunidade de enfrentar os novos e velhos desafios… Quem o diz é o nosso colega, Jaime Ribeiro, com experiência de vários anos como executivo e gestor de empresas na área do turismo e que nos traz a sua perspetiva sobre este sector estratégico da economia portuguesa.

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Mariana da Silva Botelho

Publicado a 23-03-22

Turismo em Portugal: Oportunidades e Desafios Pós pandemia banner
A análise do sector do turismo em Portugal é habitualmente feita na óptica das receitas geradas pela recepção de turistas e visitantes dentro do território nacional (Incoming), por oposição a outro segmento, o relacionado com as viagens efectuadas para fora de território nacional (Outgoing). 
Nesta breve análise vamos falar do Incoming e da sua evolução nos últimos anos. O habitualmente mencionado peso no PIB da actividade turística (sentido lato, i.e., sejam viagens de lazer ou não), abarca não só algumas actividades directamente envolvidas (ex: hotelaria) mas também outras actividades que, directa ou indirectamente, beneficiam do mesmo, tornando por vezes difícil a tarefa de medir o efeito total no PIB desta actividade. 
Até há relativamente poucos anos, o turismo em Portugal era muito centrado no destino Algarve (“sol e praia”) - com um carácter muito sazonal e dependente dos “alinhamentos” dos operadores dos mercados de origem desses fluxos - e da organização de eventos e congressos, também eles com concorrência forte quer do ponto vista comercial quer, por vezes, também fiscal. 
Fora desta esfera, Portugal não era considerado, com algumas excepções pontuais, um destino “preferencial” a nível de outro tipo de turismo como, por exemplo, de city breaks ou de eco-turismo. A existência de outras cidades europeias com histórico patrimonial e oferta cultural e artísticas bastante amplas, conjugada com a sua situação geográfica mais central na Europa e maior oferta de transportes, levou a que o destino Portugal não fosse uma escolha prioritária ou muito apelativa para esse tipo de turismo. 
Esta situação começou a alterar-se com a conjugação de alguns factores favoráveis, dos quais se destacam: 
  • Efeito “bola de neve” entre o aumento das rotas aéreas para Portugal (incluindo obviamente de companhias aéreas lowcost) , o aumento da capacidade hoteleira e similares (ex: alojamento  local) e a facilidade crescente de disponibilização da oferta em plataformas digitais; 
  • A procura, por parte de turistas, de novos destinos na Europa, pelo efeito de “saturação” de alguns destinos mais tradicionais e mais comuns; 
  • A promoção do país por parte de entidades públicas e privadas, aliada obviamente à atractividade das principais cidades portuguesas com a sua riqueza histórica e cultural, em  conjunção com a reconhecida capacidade de receber por parte dos portugueses e com os preços comparativamente baixos oferecidos pelo país em comparação com outros. 
Os efeitos destes factores tiveram tradução prática na evolução de alguns indicadores. Alguns dos indicadores disponíveis para analisar a evolução são muito baseados na área hoteleira, onde existe (conjuntamente com o transporte aéreo) mais informação. Ainda assim, não reflectem algumas realidades, como situações de estadia fora de unidades hoteleiras ou visitas de navios de cruzeiro, só para dar 2 exemplos. 
Esta acção combinada de diferentes factores levou ao já mencionado crescimento, quer no valor das receitas turísticas quer na evolução do número de dormidas de não residentes, bem como a diferentes fenómenos colaterais, dos quais talvez valha a pena destacar a requalificação de parte do imobiliário urbano que se alastrou para além de Lisboa e Porto, da proliferação de maior número de eventos culturais e da diversificação da oferta de transportes e restauração, só para mencionar alguns exemplos. 
No entanto, a dependência do turismo e o seu crescimento também teve o “reverso da medalha”, dado que para além de alguns factores que importa melhorar e que mencionaremos mais à frente, há riscos e imprevisibilidades que tornam esta actividade mais volátil que outras, quer sejam fenómenos naturais quer seja uma conjuntura económica desfavorável que inevitavelmente pode levar a uma quebra significativa de receitas, como é o caso de pressões inflacionistas, em especial nos combustíveis. 
No caso dos fenómenos naturais ou fora do comum, a pandemia que, pelo menos durante 2 anos, “varreu” o planeta, demonstrou à exaustão a mencionada fragilidade desta actividade de serviços. Sabemos que outras actividades foram também afectadas, mas seguramente o sector do turismo foi dos mais ou mais afectado. 
Agora que a pandemia parece ser algo mais controlado, aparecem novas “nuvens” no horizonte que continuam a tornar algo imprevisível a capacidade de retoma da actividade, nomeadamente a referida pressão inflacionista, em especial dos combustíveis, com reflexos directos nos preços das viagens e a mais recente instabilidade no leste europeu, que agrava essas pressões inflacionistas e que pode criar um efeito de retracção, a curto prazo pelo menos, na disponibilidade a vários níveis, para viajar. 
De qualquer forma, tendo uma atitude optimista quando à retoma da actividade num horizonte temporal razoável, é importante que Portugal, enquanto destino turístico, possa melhorar a qualidade da sua oferta e minimize os efeitos colaterais do aumento do número de turistas. 
Essas melhorias e desafios, passam, entre outros aspectos, por: 
  • Equilibrar a capacidade de recepção de turistas nas principais cidades e do desejável aumento das receitas turísticas, com a coexistência dos habitantes e naturais dessas mesmas cidades, não só para evitar excessivas pressões nos preços do mercado imobiliário, mas permitindo manter uma das principais razões de atractividade dessas cidades, que é a sua autenticidade; 
  • Melhoria da rede de transportes públicos, que para além de ser crucial para os seus habitantes, permite ter um turismo mais ecologicamente sustentável e com melhores condições para quem nos visita; 
  • Adaptação dos serviços públicos a esse aumento de estadias. Se o Estado (incluindo câmaras com as taxas turísticas) arrecadam mais receitas, tem de haver capacidade de resposta aquando da chegada de turistas a Portugal, não sendo admissíveis, por exemplo, filas intermináveis para entrar em Portugal, museus e monumentos e edifícios históricos degradados e/ou com pouca informação para quem os visita; 
  • Ampliação e/ou abertura de novas infra-estruturas portuárias e aeroportuárias; 
  • Além da mencionada pressão com os combustíveis, que não existe só em Portugal, há pressões com a escassez de pessoal, em especial na hotelaria, que pode levar a ajustamentos salariais com consequências no preço final. A oferta baseada no preço não será suficiente. 
Em resumo, a esperada retoma do turismo, ainda que com novas ameaças no horizonte, tem de ser também um momento para melhorar aquilo que menos bem correu no passado e para tornarmos o nosso turismo sustentável a vários níveis. 

Nota: o autor escreveu sem observar o acordo ortográfico. 

NOTAS BIOGRÁFICAS: 
Jaime Ribeiro, licenciado em Economia pela UCP em 1983 e depois de passagens nas áreas de auditoria e consultoria, tem exercido diferentes cargos executivos em empresas da área turística, com presença em diversos países, quer na Europa, em África e EUA, sendo atualmente o responsável financeiro de grupo multinacional do sector. Exerceu igualmente funções como docente universitário. 

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